A química de uma tragédia

19/05/2013 17:57

Poliuretano, um dos vilões do incêndio em Santa Maria

 

O material mais usado pelas casas noturnas brasileiras para fazer o isolamento acústico também pode transformá-las em fornos. Trata-se da espuma de poliuretano que serve ao isolamento acústico – essencial para locais como a boate Kiss, em Santa Maria (RS). Quando não recebe a adição de um composto químico para retardamento de combustão, a espuma é inflamável e propaga o fogo com velocidade. Mais ainda: ela tem características de isolante térmico. Assim, impede que o calor se dissipe. 
”O calor em um lugar com isolamento dessa natureza se concentra no ambiente, em vez de se dissipar”, diz Ricardo Bentini, pesquisador do Laboratório de Biomateriais Poliméricos do Instituto de Química da USP. "O calor e as chamas aumentam de forma muito mais rápida do que aconteceria em um lugar que não tivesse esse revestimento." Associada ao alastramento das chamas vem a emissão de fumaça e gases — em geral a principal responsável pelas mortes em incêndios. O aumento da temperatura acelera a decomposição de outros materiais presentes no ambiente — como móveis e portas — e intensifica ainda mais a liberação de substâncias tóxicas como o monóxido de carbono. 
Nos Estados Unidos, o poliuretano foi banido do revestimento de casas noturnas desde 2003, quando um incêndio em uma boate deixou 100 mortos. Um substituto para o poliuretano é a lã de rocha. No Brasil, os prédios mais modernos tem “paredes-sanduíches”, feitas de gesso e com lã de rocha por dentro. Com ponto de combustão a partir de 800 graus Celsius — contra 140 graus Celsius, ou menos, para o poliuretano sem tratamento — a lã de rocha retardaria a propagação do fogo, salvando vidas.

O exemplo americano  
As mudanças na segurança nos Estados Unidos foram motivadas pela tragédia ocorrida no dia 20 de fevereiro de 2003, no clube The Station, em West Warwick, Rhode Island. Músicos da banda Great White também usaram fogos de artifício no palco, o que deu início a um incêndio. Assim como na boate Kiss, de Santa Maria, o teto era forrado com poliuretano, que permitiu que o fogo se alastrasse velozmente. A construção, de 1946, estava fora dos padrões de segurança e a lotação estava acima do permitido. 
Depois do acidente, a National Fire Protection Association (NFPA), entidade americana que publica normas técnicas sobre prevenção de incêndios, revisou uma extensa série de regulamentos, criando classes específicas de materiais de revestimento, com base na sua inflamabilidade e produção de fumaça. Novas exigências foram feitas quanto a equipamentos de segurança, saídas de emergência e uso de material pirotécnico. 
Em 2006, os dois donos do clube foram sentenciados a penas de prisão de 10 e 15 anos – essa última, a mesma pena aplicada ao gerente da banda que se apresentava.

Fonte: https://quimicaemtexto.wordpress.com/2013/02/03/poliuretano-um-dos-viles-do-incndio-em-santa-maria/